“Para estancar violência contra mulheres é preciso ter políticas públicas para tratar o homem agressor”, afirma jurista Alice Bianchini ao programa radiofônico Justiça por Elas
O Tribunal de Justiça do Amapá, por meio de sua Escola Judicial, trouxe a Macapá pela segunda vez a doutora em Direito Penal, Alice Bianquini, para ministrar o curso “Vitaliciamento e Promoção sobre Questões Controvertidas na Lei Maria da Penha – Aspectos Multidisciplinares”. “Esse tema requer muito esclarecimento, porque ainda há uma distância entre o entendimento da sociedade e o das vítimas de violência acerca de muitas questões”, afirma a doutora.
Alice Bianchini aponta três vertentes dentro do Sistema de Justiça em relação à Lei Maria da Penha. “Há um segmento refratário, que discorda da integralidade da Lei e considera que a mulher não deveria ter nenhum privilégio legal em relação ao homem. O segundo segmento entende que a Lei está correta, mas ainda não compreendeu bem os objetivos dela; então, no momento de fazer a interpretação dos dispositivos, acaba prejudicando sua própria aplicação. Por fim, o terceiro grupo, representado pelo Supremo Tribunal Federal, que compreendeu e é simpático à Lei”, iniciou Alice.
Um exemplo de divergência na interpretação da Lei ocorre quando a mulher tem medida protetiva e reata o relacionamento com o agressor. “Nesses casos as medidas são automaticamente suspensas? É preciso que o juiz analise caso a caso? É necessária uma audiência entre as partes para decidir? Não podemos deixar de considerar se essa mulher reatou o relacionamento de livre e espontânea vontade ou se foi coagida. Só nesse exemplo temos cinco possibilidades”, demonstrou a jurista.
Esmiuçando a Lei Maria da Penha
Alice Bianquino concedeu entrevista ao programa Justiça por Elas, produzido pela Assessoria de Comunicação do TJAP – que vai ao ar por meio da Rádio Universitária FM todas as terças-feiras, de 15:00 às 16:00. Logo no início da entrevista, a pesquisadora afirmou que “quando olhamos os dados sobre denúncias referentes à Lei Maria da Penha, nos concentramos basicamente em lesão corporal e ameça”. Segundo ela, isso ocorre por falta de informação das próprias mulheres acerca dos outros tipos de violência contidas na Lei.
“As mulheres brasileiras são muito vítimas de violência psicológica e não se identificam como tal. Além desse tipo, temos ainda a violência patrimonial, a sexual, a moral, dentre outras”, esclarece. Para ser enquadrada na Lei Maria da Penha, a violência deve ter ocorrido em ambiente familiar e/ou numa relação íntima de afeto, sendo baseada na questão de gênero.
Quando essa violência ocorre fora do ambiente doméstico e não parte de uma relação íntima afetiva ou familiar, não significa que não seja crime e que não vá haver punição. Ocorre que nesses casos não se aplica a Lei Maria da Penha, mas a legislação penal comum.
“Isso ocorre porque o legislador compreendeu que em um ambiente doméstico ou em uma relação íntima de afeto a mulher está mais vulnerável. Na prática, podemos entender o porquê de uma legislação específica quando uma lista de 84 países mostra o Brasil em quinto como entre os que mais matam mulheres, e essas mulheres estão sofrendo violência e sendo mortas dentro de casa”, explica.
Essa vulnerabilidade é comprovada em pesquisa. Muitas vezes a sociedade questiona o porquê dessa mulher continuar em uma relação violenta. Segundo a pesquisadora, em 2013, 65% das pessoas responderam que a mulher permanece porque gosta de apanhar. Mas, quando a pergunta foi direcionada à própria mulher, 70% responderam que é por medo de vingança do agressor.
A doutora Alice Bianchini apresenta um dado preocupante, afirmando que, embora a sociedade não compreenda o medo da mulher, as estatísticas revelam que esse medo tem razão de ser. “Há uma diminuição no número de mortes de mulheres na relação de casamento e tem aumentado o número de morte de mulheres que pedem a separação”, lamenta a especialista.
Isso ocorre porque, apesar de ser considerada uma das três mais avançadas do mundo no quesito combate à violência contra a mulher, “a Lei Maria da Penha não saiu do papel”, é o que afirma Bianchini. “Muitas vezes a mulher vai até uma delegacia e, como não há um corpo policial capacitado, o agente considera que se trata apenas de briga de casal, mero desentendimento e que logo vai passar, portanto não valeria a pena abrir inquérito e prosseguir com a denúncia”, relata.
“Ocorre que, de fato, é possível que essa mulher volte atrás e retome a relação com o agressor porque esse é um fenômeno típico da violência doméstica em ciclo”, explica a especialista, afirmando que as agressões domésticas duram em média 10 anos e acontecem em um processo crescente.
“Na sequência de cada evento ocorre o que chamamos de fase da lua de mel, quando o homem se arrepende, faz uma série de promessas e ela, porque está envolvida em uma questão de afeto, porque tem filhos e até porque tem um compromisso assumido diante de uma religião, acaba cedendo”, esclarece.
É necessário pesquisar o homem agressor
Pesquisas mostram que cada vez que esse ciclo volta, ele retorna com mais violência em uma escalada sempre crescente e “infelizmente muitas mulheres vêm a óbito pelas mãos de seus próprios parceiros”. Para a jurista, um dos caminhos para por fim a esse ciclo é o fortalecimento do diálogo com os próprios homens, “afinal, por quê ele continua agredindo a sua esposa?”. Segundo Alice, as políticas públicas precisam tratar essa questão.
“No Brasil quase não há pesquisas sobre o perfil do homem agressor”, é o que diz a doutora. “Na Espanha, por exemplo, o agressor é uma pessoa comum, que não apresenta nenhum distúrbio psicológico, mas que está envolvido em um sistema de poder que estabelece o homem como o dominante sobre as atitudes da mulher, dos filhos e de todas as coisas públicas”, conta ela.
Finalizada em novembro deste ano, uma pesquisa brasileira mostra um aspecto diferente. “Ela analisa o histórico de violência vivenciado por essa mulher desde a sua família de origem e também o histórico do homem agressor. A probabilidade de uma pessoa que vivenciou a violência na família originária vir a reproduzir esse comportamento na família atual é real. Ela terá a chance de não fazer isso se na infância houver convivido com outra família de conduta diferente, o que lhe dará a oportunidade de comparar”, explica.
Outro tema polêmico e controverso no âmbito Jurídico, segundo a especialista, é a aplicação da Justiça Restaurativa em casos de violência contra a mulher. “Estamos falando de duas pessoas que refletem uma situação onde o elemento masculino é de dominação e o elemento feminino é de submissão. E quando temos uma situação sem paridade entre as duas pessoas é muito difícil aplicar a Justiça Restaurativa. Essa mulher teria que ser fortalecida ao ponto de estar nas mesmas condições do homem para, aí sim, haver esse entendimento. Caso contrário, esse modelo poderá revitimizar a mulher”, defende.
Números da violência doméstica
Do total de mulheres que sofrem violência (casos registrados), 30% são agredidas todos os dias. O relatório do Conselho Nacional de Justiça – CNJ sobre aplicação da Lei Maria da Penha revela que mais de 30% dos casos criminais que tramitam nas comarcas do país são de violência contra a mulher. No Brasil é concedida uma medida protetiva a cada 11 minutos.
Em fevereiro de 2017 uma pesquisa perguntou aos brasileiros se as mulheres eram inferiores aos homes e como resposta obteve sim de 19% dos homens e 14% das próprias mulheres.
Na fase adulta, 45% das mulheres brasileiras têm medo de lutar por seus direitos e acham que não terão chance de alcançar seus objetivos e aspirações.
No âmbito dos homicídios, o sistema de informação de mortes violentas revela que, no Brasil, a cada 100 mil mulheres 4,5 morrem de forma violenta por ano. No caso de outros tipos de violência há uma subnotificação muito grande para produzir dados concretos.
-Macapá, 12 de dezembro de 2017-
Assessoria de Comunicação Social
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- Criado: Segunda, 11 Dezembro 2017 23:48