“Violência sexual contra crianças e adolescentes cresce no Amapá e envolve famílias, igrejas e escolas”, diz delegado Mascarenhas

delegadomascarenhas 6O programa radiofônico Justiça em Casa (transmitido todas as terças-feiras, das 15 às 16 horas, pela Rádio Universitária 96.9 FM) recebeu o delegado Daniel Melo Mascarenhas, titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra Crianças e Adolescentes (DERCCA), para um balanço sobre a atuação em todo o estado.

delegadomascarenhas 3Atuando há quase 30 anos como delegado de polícia, ele foi  enfático ao revelar que ainda não havia demonstrado tanta preocupação, diante do que considera um “fenômeno em franca expansão”: o crescimento dos crimes praticados contra crianças e adolescentes. Essas ocorrências ensejam a possibilidade de uma vida feliz ser interrompida precocemente diante da violência sexual, que provoca sofrimentos físicos e psicológicos difíceis de serem superados.

delegadomascarenhas 7“A situação realmente é muito grave. Nós temos observado que a onda de violência contra a criança e o adolescente cresce vertiginosamente no estado do Amapá e, sobretudo, em Macapá. Mas, não podemos deixar de lembrar que as denúncias também passaram a ter maior registro, e o ponto fundamental para essa ida até a delegacia se deve à Imprensa, que tem conscientizado a população a procurar a DERCCA, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário para denunciar os crimes,” afirmou.

O delegado disse ainda que a violência contra crianças e adolescentes tem ultrapassado os limites do campo familiar. Segundo dados da própria DERCCA, de janeiro a dezembro do ano passado, o número de denúncias de crimes contra o menor disparou – dos 222 casos de estupros registrados, 130 envolveram vulneráveis. A maioria dos crimes é cometida contra crianças menores de 14 anos, 62 ao todo. “É o maior número até hoje”, disse. Outra realidade que tem intrigado o delegado é que esse tipo de violência vem se manifestando em todos os lugares.

“Na maioria dos casos, quem tem o papel de cuidar, proteger como pai, avô, tio, padrasto, é quem abusa”, afirmou, acrescentando que um desses casos chamou sua atenção em 2016. “Um pai que, preocupado com a saída da filha, questionou: ‘Você vai para onde? Com quem? Olha o horário que você vai sair, que horas vai voltar?’, e ela respondeu: ‘O senhor está preocupado comigo? O senhor não sabe nem o que acontece dentro de casa – vovô me estuprou!’. Nesse momento o pai senta e passa mal. A mãe da menina, que também estava presente, ficou horrorizada ao saber que a outra filha também tinha sido abusada pelo mesmo avô”, relatou o delegado. No dia seguinte o pai procurou a delegacia para fazer a denúncia.

Assédio sexual nas escolas

delegadomascarenhas 4Daniel Mascarenhas revelou outra realidade, o assédio sexual nas escolas, que está sendo mais comum do que é de conhecimento público, e praticado por quem deveria dar exemplo e preparar os alunos para uma vida sem traumas. Segundo o delegado, as ocorrências vão desde comentários maliciosos sobre a saia das meninas, a meninos que vem sofrendo preconceito e afirmações depreciativas sobre sua sexualidade por parte de professores e funcionários.

Citando exemplos de casos extra-familiares e que tem acontecido com muita frequência, o delegado contou que “um professor chegou com uma aluna, com algo entre oito e nove anos de idade, dizendo: você é minha musa, você é meu amor, você é o máximo”.

“Após estranhar o comportamento a menina se distanciou dele, mas, dias depois, o professor pegou a mesma menina, diante da classe toda, e começou a passar a mão no seio da garota e a beijar lascivamente o pescoço da aluna”, contou o delegado.

Esse fato, que caracterizou um crime, repercutiu muito e acabou na delegacia. “No ano passado eu investiguei outro fato quase parecido. Uma pedagoga ouviu uma gritaria que vinha de dentro de uma sala de aula e, ao abrir a porta, deparou com uma aluna no colo de um professor. Apurei o fato e o professor foi indiciado”, narrou o delegado Mascarenhas.

E não para por aí. “Em um outro colégio, o professor chegou para a aluna e disse: você quer passar de ano é só me facilitar. Portanto, esse é um comportamento que começa a nos trazer uma preocupação muito grande”, revelou.

Abuso sexual nas igrejas

Lobos em pele de cordeiros. A Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra Criança e Adolescentes tem recebido diversas queixas acerca do comportamento de pastores, padres ou falsos líderes religiosos que utilizam as igrejas de diferentes denominações como fachada para cometer crimes.

“Infelizmente essa é uma realidade absurda. Um pastor, um padre, um líder religioso se aproveitar e passar a praticar comportamentos repugnantes contra pessoas que frequentam aquela igreja. Um alvo fácil são as adolescentes. Estou concluindo um inquérito iniciado com uma denúncia que se transformou em um iceberg. Veio a primeira menina, veio a segunda, a terceira. Em síntese: apareceram mais de 30 vítimas do comportamento abusivo de um pastor”, afirmou.

No ano passado, um outro pastor chegou a capital para fundar uma igreja evangélica e, segundo o delegado Mascarenhas, ele se aproximava das meninas e meninos, fazia amizade com as famílias, entrava na casa e, durante a oração, observava seus alvos, que eram os meninos. “Depois ele voltava com presentinhos para então cometer o abuso sexual com beijos e fotografias pornográficas. Os fatos foram apurados e encaminhei o inquérito policial com o indiciamento ao Ministério Público”, relatou o delegado.

Turismo sexual

Mesmo com uma população pequena em relação a outros estados, o Amapá, de acordo com os dados da DERCCA, já aparece entre os estados que, infelizmente, são visados pelo turismo sexual, uma das práticas mais violentas contra a dignidade humana, que tem como principais vítimas as crianças e os adolescentes. Daniel Mascarenhas considera alguns pontos como fatores preponderantes para o crescimento desse tipo de crime, entre eles a situação econômica das famílias. “No ano passado, uma mulher estrangeira pegou uma menina de uma família pobre, levou para um garimpo e até hoje ainda não conseguimos localizar essa adolescente. O caso saiu de nossa atribuição, mas entregamos para a Polícia Federal, que está investigando”, exemplificou.

Para o delegado, com a inauguração da ponte binacional acende-se a luz vermelha em alerta a esse tipo de crime. “Abriu-se a porta para o Mercado Comum Europeu e a influência dessa questão econômica é um fator que preocupa ainda mais”, comentou.

“Às vezes parece que enxugamos gelo. Um exemplo está ao lado do Cemitério São José, na zona sul de Macapá, e na rua Claudomiro de Moraes, onde nós recolhemos as adolescentes, chamamos os pais e na semana seguinte elas já estão de volta se prostituindo. Agora, imagine com esse corredor aberto, com estrangeiros entrando com dólar e euro no bolso”, alertou o delegado.

Daniel Mascarenhas finalizou a entrevista dizendo que a DERCCA é uma das entidades que lideram a rede de proteção à criança e ao adolescente no Amapá. “A nossa delegacia é uma porta aberta, é uma extensão dos conselhos tutelares, Ministério Público e dos parceiros como o TJAP e outras entidades que trabalham na causa da criança e do adolescente para que, juntos, possamos enfrentar esse grave problema. Qualquer anormalidade que a sociedade considere importante denunciar, basta nos acionar através do disk 100, não precisa nem se identificar”, finalizou.

- Macapá, 21 de Junho de 2017 -
Assessoria de Comunicação Social
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