Nossa Reverência à Coronel Maria
- Macapá, 19 de agosto de 2016-
Maria Raimunda de Souza Martins é conhecida pelos colegas da Corporação Militar como “Mãe Maria”, devido ao tratamento afetuoso na rotina do dia a dia e também pelos puxões de orelha sempre que necessário. É reconhecida por seu senso de responsabilidade, força moral e pioneirismo. Dona de uma voz calma e de tom baixo, lidera e comanda sua equipe do Gabinete Militar do Tribunal de Justiça do Amapá com olhar de lupa, sendo a primeira mulher a dirigir o quadro militar do Judiciário.
Nasceu em 30 de julho de 1967 em Laranjal do Jari, município localizado ao sul do estado do Amapá. Todavia, seu assento de nascimento foi registrado em Belém do Pará. Oficialmente a Coronel Maria é paraense, mas sua origem e vivência sempre foram na capital do Estado, em Macapá.
No auge de seus 49 anos e atuando firmemente à frente da segurança do Tribunal de Justiça do Amapá, Maria conta que trabalhou muito para chegar a um posto tão alto na carreira militar.
Caçula de cinco irmãos, ela explica que todos começaram a trabalhar muito cedo, pois o salário de vigilante do pai, seu Eloy Mendes Martins, hoje com 84 anos, não era suficiente para manter todos. A mãe, dona Eduarda Figueiredo Bararuá, falecida há 18 anos, não possuía trabalho remunerado. Era a encarregada da casa e do cuidado com os filhos.
“Desde os 12 anos eu já trabalhava como babá e aos 14 anos comecei a trabalhar empregada. Meus irmãos e eu ajudávamos nas despesas de casa, afinal éramos uma família grande e de origem simples”, explica.
Apesar das dificuldades, o amor, cuidado e afeto nunca faltaram em sua casa. Os pais eram carinhosos e preocupados com o futuro dos filhos e não admitiam que perdessem o foco dos estudos.
Na época da escola, a Coronel conta que era muito aplicada, gostava de estudar e de obter ótimas notas. Queria dar o orgulho devido aos pais que tanto lutavam para oferecer condições dignas aos filhos. Sua atuação intelectual era destaque entre os colegas e professores. Em dias de prova, seu objetivo era tirar as melhores notas, pois a competitividade e liderança são características que sempre acompanharam sua trajetória.
Na academia não foi diferente e a Coronel Maria continuou com o empenho e dedicação no ensino superior e hoje é formada em Nutrição e pós-graduada em Gestão de Segurança Pública.
A vida militar
A jovem Maria resolveu arriscar-se e partir em busca de seus próprios caminhos quando soube do concurso para Polícia Militar no Estado do Amapá. No começo foi movida apenas por uma curiosidade instigante, viu a divulgação do concurso e decidiu tentar. Na época, ela trabalhava como contabilista. Corajosa, saiu do ambiente cômodo e seguro de um escritório com ar-condicionado para enfrentar os desafios da vida militar. E depois veio a confirmação, Maria se identificou com todos os aspectos da nova profissão e encontrou seu lugar, sua vocação.
“Sempre gostei de comandar. Sou mandona”, conta rindo ao lembrar dos momentos em que precisou escolher e ir contra a vontade da família. “Meus pais nunca quiseram que eu ingressasse na Corporação Militar e eu entendo o ponto de vista deles, pois é uma profissão perigosa e comum a homens. A postura e preocupação deles eram compreensíveis, mas à medida que fui evoluindo e mostrando para eles que esta era a minha vocação, começaram a aceitar e apoiar”, explica.
Com sua aprovação, compôs a 1ª turma de policiais femininas da Policia Militar do Amapá, no ano de 1989. Ela conta que sofreu preconceito e assédios na época, mas todos foram obstáculos vencidos por sua garra e coragem.
Maria acumula no curriculum diversas funções na Policia Militar, todas desenvolvidas com mérito e talento. “Já comandei batalhão, fui diretora de ensino, diretora de operações e não tenho medo do trabalho”, diz com sua fala meiga, porém forte.
Mulher obstinada, ela começou na nova carreira como soldado, primeira patente da hierarquia da Policia Militar. Todo o empenho e trabalho resultaram em sua ascensão na Corporação. De patente em patente, de degrau em degrau, chegou à condecoração de 2ª Coronel em 2013.
Destemida, o trabalho como policial militar nunca a assustou, pelo contrário, incentivou a ir além de tantas barreiras. Venceu os preconceitos por ser mulher na carreira militar, mostrou seu talento e liderança. Destacou-se entre os demais. Hoje Maria se orgulha de já ter liderado equipes com mais de 500 membros e desenvolvido incontáveis atividades com sucesso.
Atualmente, está à frente do Gabinete Militar do Tribunal de Justiça do Amapá e coordena uma equipe de 118 profissionais com o mesmo orgulho e empenho.
“A melhor coisa é você sair de casa para ir a um trabalho que faz você se sentir bem e feliz, é assim que me sinto com o trabalho que desenvolvo no TJAP. Tenho o mesmo status de um comandante geral aqui. Estou muito satisfeita em trabalhar nesta casa”.
Chegada ao TJAP
Sua atuação na gestão da segurança do Tribunal de Justiça do Amapá começou juntamente com o mandato da atual presidente, desembargadora Sueli Pini. Ela conta que a magistrada logo que assumiu pediu ao soldado Melo que lhe indicasse uma mulher com o perfil certo para atuar no Gabinete Militar do Judiciário.
Os colegas logo elencaram as semelhanças entre as duas: a força, a liderança e o senso de humanidade. A Coronel Maria foi a escolha correta para trabalhar com a presidente do TJAP.
“Foi desígnio de Deus mesmo. Os policiais possuem um afeto grande por mim, acreditaram que nossos perfis são muito parecidos e me apoiaram. E eu sou muito agradecida por ter essa oportunidade de trabalhar com alguém que tanto admiro. Aprendo todo dia. E ter minha atuação comparada com a dela é uma honra”, conta emocionada.
O Casamento
O companheiro com quem construiu sua família é o Tenente-coronel da PM Ubiratan Pessoa. Mulher guerreira, de personalidade forte e senso de responsabilidade latente, a Coronel sempre soube que se casaria somente quando obtivesse estabilidade financeira e a desejada realização profissional.
“Justamente pelas dificuldades que passei quando criança, pela falta de recursos financeiros, sempre pensei que não queria que meus filhos passassem por privações. Quando tivesse condições de junto ao companheiro bancar minha família, dar boas condições educacionais aos filhos aí sim casaria”.
O destino deu uma “mãozinha”, e o Tenente-Coronel Ubiratan Pessoa, quando ainda estava se formando e Maria era tenente, foi designado para aprender o serviço do dia a dia com ela, passar por um treinamento. O entrosamento foi além da conta, ultrapassou as fronteiras da corporação e resultou em namoro e união.
“Estamos muito bem e em harmonia. Ele é um companheiro maravilhoso. Temos duas filhas lindas que amamos muito e graças a Deus só tenho a agradecer”, conta a Coronel.
Mariana Martins Almeida, hoje com 17 anos e Fernanda Martins Almeida, de 15 anos são as filhas do casal.
O desafio
Em 2008, quando Maria era Major e buscava alcançar a patente de Coronel, surge um de seus maiores desafios. Diagnosticada com câncer de tireoide, precisou juntar todas as forças e travar uma longa e dolorosa batalha.
Acostumada a combater crimes e mazelas da sociedade, a então Major nunca pensou que teria que lutar por sua vida nessas condições, contra uma doença traiçoeira e sempre tão assustadora.
Mas quem pensa que isto a abalou e desmotivou, se engana. Com o fatídico diagnóstico em mãos, Maria ergueu a cabeça, se encheu de forças e contou para a família, mas, como sempre, os colocou em primeiro lugar. Ela temia por eles. Receava o que a possibilidade de a perderem poderia fazer com seu marido e filhas. Não temia por sua existência, mas pelo abalo que sua ausência poderia trazer à vida deles.
“Sempre busquei passar força para eles, não mostrar abalo. Queria espantar qualquer pensamento ruim que eles pudessem ter, para que continuassem suas vidas tranquilamente. Não aceitava que eles ficassem tristes”, conta.
O tratamento começou e a família lhe deu todo o apoio. Maria continuou com sua vida normal. Um exemplo de coragem e superação, ela não contou a ninguém da corporação que estava doente, não queria ser olhada com pena ou de forma diferente. Tudo que queria era manter sua vida comum, seu trabalho que tanto a faz feliz e sua família ao lado.
Chegou o momento da perda dos cabelos, e para não tornar este momento mais difícil do que o necessário, ela logo raspou a cabeça. Maria conta que alguns colegas de trabalho suspeitaram que havia algo errado ao vê-la sem cabelos, mas ela desconversou.
“Eu sempre gostei de ter cabelos curtos e foi isso que usei como defesa para que meus colegas de trabalho não descobrissem o real motivo. Tanto é que passei o tratamento todo sem que minha doença fosse descoberta. Trabalhei todos os dias e servi minha corporação com todo o empenho necessário”, explica.
E a recompensa veio após dois anos de tratamento com a resposta positiva de cura. Mas uma vitória para o currículo desta brilhante mulher: a doença foi vencida.
Maiores conquistas
Quando pensa em suas conquistas, a vitória contra o câncer, apesar de inegavelmente ser uma delas, não é considerada a principal. Para a Coronel, o reconhecimento interno no batalhão é motivo de orgulho maior.
O apelido de “Mãe Maria” lhe foi dado pelos colegas da Corporação, devido ao trato próximo e cuidadoso que dá aos de patentes inferiores.
“Não gosto de ter um distanciamento com os outros membros da corporação somente por terem patentes que antecedem à de Coronel. Minhas portas estão sempre abertas e os trato com respeito, com sorriso, palavras de otimismo e atenção. Busco manter uma proximidade saudável. Eles são parte da minha família profissional e eu assumi a patente de Coronel como uma mãe diligente, atenta a todos”, garante.
Ela conta que a hierarquia rigorosa no modo de tratar e lidar com as pessoas na Corporação, e que seu perfil de contato acolhedor e próximo lhe rendeu algumas advertências, mas ela não se deixou abater, mostrou que esta pode sim ser uma forma de tratamento entre os membros da Corporação sem que a disciplina e hierarquia sejam desrespeitadas, e hoje é reconhecida por isso. Esta é uma de suas maiores conquistas.
Maria ressalta ainda outro grande orgulho que carrega em seu coração. O fato de ter chegado ao posto de Coronel por seus próprios méritos, sem indicação ou parentesco com pessoas importantes que lhe facilitasse a ascensão.
“Entrar como soldado e chegar a ser Coronel já é uma grande vitória e motivo de orgulho, mas sendo mulher é sem dúvida um desafio e tanto. Me dediquei, me interessei, fui atrás e não me acomodei. Queria ir longe, tanto é que decidi que só me casaria quando alcançasse um posto melhor, quando tivesse certa estabilidade e me firmasse”, enfatiza.
O Futuro
Coronel Maria é uma daquelas pessoas sempre pronta a ajudar o outro, seja ele um cidadão comum ou colega da corporação. Quando companheiros de farda estão doentes, ela e outros colegas se reúnem para realizar visitas e tentar fazer o que for necessário para minorar o problema do colega. “Visitamos mesmo que só para conversar, rir e proporcionar um momento para que a pessoa esqueça um pouco a fase triste”, diz.
É comum vê-la atuando em práticas sociais da corporação como o Programa Educacional de Resistência as Drogas (Proerd) e o Cidadão Mirim. “Busco sempre contribuir. Também me reúno com colegas e conhecidos para levar momentos lúdicos a crianças carentes. Nós visitamos bairros, como Brasil Novo, Infraero, entre outro, para levar jogos e diversão”, conta.
E para daqui a alguns anos ela espera poder se empenhar mais nessas ações sociais. “Ajudar as pessoas e proporcionar momentos lúdicos para crianças, sem se importar com a classe social, com a origem, com o poder aquisitivo é necessário e nos faz bem”, finaliza.
É por ser esta vitoriosa mulher, profissional exemplar, grande mãe para todos, por vencer as batalhas mais difíceis sem deixar de ser uma pessoa doce e gentil, por trabalhar por um mundo melhor para todos e acreditar nisso que dedicamos a Coronel Maria a NOSSA REVERÊNCIA. O Judiciário amapaense rende continência e se orgulha em ter a Coronel Maria Raimunda de Souza Martins cuidando da segurança da Justiça.
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