Nossa reverência à servidora Cyranette Miranda
- Macapá, 21 de Outubro de 2016-
Generosidade, doação, forte senso de humanidade e extraordinária capacidade de superação são algumas das qualidades que definem Cyranette Miranda Ribeiro Cardoso. E ela não poderia estar em outra unidade do Judiciário amapaense que não fosse o Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Macapá.
Natural da cidade de Maracanã, no Estado do Pará, Cyranette é a segunda filha de um total de sete irmãos, frutos da união do casal Raimundo Francisco Ribeiro e Maria do Rosário Miranda Ribeiro.
Com uma infância simples e tranquila, devido à calmaria da cidade interiorana onde nasceu, brincava muito, gostava de conviver com a natureza, nadar nos rios, brincar com os bichos, por isso, pôde ter uma infância perfeita no sentido fiel da palavra. Os pais religiosos incentivaram a menina a seguir os ensinamentos cristãos e aprender a doar-se ao próximo.
“Meus pais me protegeram amorosamente. Fui uma adolescente estudiosa”. Aos 12 anos mudou-se com a família para a cidade de Icoaraci, também no Pará, onde ficou até o ano de 1992 quando mudou-se para Macapá.
Casada desde 1991 com Mauro Queiroz Cardoso, também servidor do Judiciário amapaense, ambos são parceiros no trabalho e na vida.
“Eu conheço ele a vida inteira, ele é amapaense, mas com 7 anos mudou-se para o Pará e foi meu vizinho, nos tornamos grandes amigos, ele foi meu primeiro namorado e assim ficamos durante 10 anos, noivamos por mais 1 ano e enfim nos casamos em 1991. Ele era piloto e eu o convenci a mudar de profissão e a fazer Direito”, conta sorrindo.
São pais de duas meninas: Amália Ribeiro Cardoso, 22 anos, atualmente Bacharel em Direito, e Maria Alice Ribeiro Cardoso, de 6 anos.
Formada em Turismo, Bacharel em Direito, advogada e especialista em Direito Constitucional, Cyranette resolveu vir para o Amapá por causa do marido, que pilotava com o irmão aqui na Capital e ficava longos períodos longe dela. Assim, resolveu estudar para fazer os concursos públicos no Amapá e, para a sua felicidade, foi aprovada no primeiro concurso público do Tribunal de Justiça do Amapá. Arrumou as malas, juntou toda a sua coragem e vontade de vencer na vida, e veio juntar-se à família do TJAP.
“Estou há 25 anos na Vara do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Macapá, é uma vida. Desde que cheguei, me encontrei logo, pois sempre gostei de criança e dos jovens, de cuidar de gente e uma das características desta Vara é desenvolver atividades sociais em prol das pessoas, então logo de cara eu me identifiquei”, relembra.
Enquanto faz seu trabalho de prestação jurisdicional, também ajuda as famílias fora da instituição, devido à sua ferrenha atuação na comunidade e na igreja de seu bairro.
“Os garotos infratores que eu atendia aqui na Vara, muitas vezes eram do entorno onde eu morava, então eu os ajudava com a atuação na Vara e com o trabalho na igreja, levando-os para fazer primeira comunhão, crisma, e viver em harmonia”.
Seu trabalho permite a união do amor pelo direito e a paixão pelo trabalho social. Ela e seus colegas conseguiram firmar cooperações importantes com instituições, resultando na construção de um Centro Social e dentro desse centro um espaço de assistência jurídica.
Em seu trabalho social, ela e os demais voluntários realizam acompanhamento psicológico e social, doam alimentos, roupas e até remédios, além de ajudar a conseguir emprego, e fornecer aquela palavra amiga que em muitas das vezes é a resposta que a pessoa mais procura. Cyranette ainda oferece atendimento jurídico com foco na conciliação.
“O TJAP contribuiu com mesas, computadores e estantes. Tentamos arrumar emprego para as pessoas, ajudamos nas formas possíveis. Às vezes até nos envolvemos com a história das pessoas. Eu as ajudo, mas elas é que nos ajudam mais”, afirma.
E seu trabalho não para. Recentemente teve um de seus artigos jurídicos publicados. O texto “As Contradições da Lei nº 12.010/09 - Nova Lei, Antigos Problemas” que aborda as grandes polêmicas que a nova lei do CPC gerou na área jurídica e também na sociedade, foi publicado no portal de notícias jurídicas da internet JurisBrasil.
Maior dificuldade
Cyranette convive desde criança com a depressão, doença que só começou a tratar após seus 20 anos. “Na minha época tratava-se depressão com oração. Se eu não ficava bem era falta de oração, então o meu maior desafio foi entender a doença para poder tratá-la”, afirma.
Aos 17 anos a servidora teve sua maior crise, pois seu pai resistia em levá-la ao psiquiatra. Cyranette ficou na cadeira de rodas, com estimativa de meses de vida. Não comia, não dormia, perdeu a noção da realidade.
Esse agravo aconteceu devido à dificuldade em lidar com perdas, foi nessa época que seu marido, ainda somente namorado, foi fazer um curso de aviação em São Paulo e os dois precisaram se separar. A ausência foi traumática e abalou seu emocional, desencadeando ainda mais a doença.
Lidar com as medicações, com os efeitos colaterais dos remédios no corpo, aceitar que não é uma fraqueza ou um estado emocional de choro, mas, sim, uma doença crônica, muitas vezes de caráter genético, eram grandes desafios. “Lembro que quando passei no concurso as pessoas diziam que eu não deveria dizer a ninguém sobre meu problema. Deveria esconder, pois as pessoas não entenderiam”, relata a servidora.
“Ao chegar ao Amapá e iniciar meu trabalho fui muito feliz em vir para uma Vara tão acolhedora, e que apesar de lidar com tragédias humanas é ao mesmo tempo muito edificante, pois cresci muito. Eu ainda ia constantemente a Belém para encontrar com meu psicólogo e fazer tratamento para o vitiligo”, explica.
Para criar coragem e vir para Macapá, Cyranette precisou ser forte e acreditar em si mesma, ela sabia que precisava enfrentar seus monstros e se aventurar em uma nova terra para alcançar o futuro desejado. “E aqui me encontrei. Eu adoro meu trabalho e sou feliz com o que faço”. finaliza.
Ela relata que a depressão não é uma doença fácil, é uma luta diária e atrela sua recuperação ao amor que recebe dos familiares, aos atendimentos dos profissionais competentes que atuam em seu tratamento, aos remédios que a ajudam, mas principalmente ao seu trabalho ajudando as pessoas, tanto no judiciário quanto no voluntariado.
“Cada pessoa que contribuo de alguma forma para melhorar, mudar de vida, é um impulso a mais para vencer a minha doença. Eu as ajudo, mas são elas quem mais me ajudam a seguir em frente”, explica.
E os objetivos não param por aí. Sua meta profissional atual é lecionar, seguir os passos da maioria dos irmãos e dar aulas, dividir conhecimento, ensinar e aprender ainda mais.
ADOÇÃO
Grande defensora da adoção, a servidora conta que encara a prática com carinho, atenção e uma forma de constituir família. Para ela é um encontro de pessoas que precisam uma da outra, a criança que precisa de uma família, e o adotante que tanto espera por um filho.
Ela conta que a decisão de também adotar aconteceu ainda na época de namoro, na adolescência. A predileção por realizar adoções de todos os tipos os acompanhou por toda a vida e refletiu na decisão do casal em não gerar filhos, mas em adotar.
“Nós sempre fomos muito parecidos nos ideais, adotávamos tudo, animais perdidos, objetos antigos que as pessoas não queriam mais. Nosso hobby sempre foi ir a antiquários, brechós, e sempre nos interessamos por aquilo que estava “órfão”. A adoção é algo que a gente aprende na família, eu tenho primo, tio, e irmã adotivos. O Mauro, meu esposo também, tanto que chama seus primos de primo-irmão. A adoção de Amália, nossa filha de 22 anos, foi muito simples, adoção consentida, saiu da maternidade para nossa casa, serenamente. A adoção da Maria Alice, à época com um ano e pouco de idade, foi devastadora como um furacão, pois tivemos que enfrentar uma batalha judicial de quatro anos, com grandes sofrimentos emocionais, além da grave doença autoimune que adquiri pelo desgaste físico-emocional”, relembra.
Cyranette sempre soube que queria ser mãe, com 12 anos de idade “adotou” seu irmão Georgiton, o sentimento de fraternidade e de família foi tão grande que ele dormia com ela e até hoje é tratado como um filho. A iniciativa de adotar um filho foi só uma consequência dessa vontade de ser mãe. Para ela, “é muito certo que inexiste qualquer diferença entre ter um filho biológico e o adotivo, pois o amor não vem do ventre ou do útero. Vem do coração”, diz com os olhos brilhando.
Ela, seu esposo e suas filhas, enfrentam juntos os preconceitos que ainda tem no seio social, fruto de pré-julgamentos e mitos arraigados em muitas pessoas, e seguem mantendo o lar de amor e carinho que construíram.
“Há muito tempo, uma amiga querida me censurou muito por ter optado por não gerar filhos. Ela me disse que eu nunca saberia como seria ter um filho do meu esposo, se referindo à aparência e que isso era um fardo pesado para ele, mas Deus decidiu compensá-lo, pois as duas meninas são a cara dele e o caráter também”, conta orgulhosa e feliz.
Suas filhas são tão legítimas quanto todos os filhos. O amor é até maior, a constituição de família e a cumplicidade também.
“Em casa a gente só lembra da adoção da Maria Alice pelo sofrimento causado, mas ninguém nem lembra que a Amália é nossa filha por adoção, nem do processo dela. A Maria Alice foi diferente, pois chegou com uma bagagem de problemas, abusos, maus tratos físicos, limitação na fala, no aprendizado. Tivemos que nos adaptar a ela, literalmente, por quatro meses do tratamento da abstinência, não dormíamos, buscamos ajuda para ela e para nós, fizemos terapia por um ano com a psicóloga e esse passo foi importantíssimo, pois ela nos confortou afirmando, à época que tudo ficaria bem, e ficou mesmo. A Maria Alice era muito carente de amor, de carinho, de cuidados e até mesmo de um lugar seguro para dormir, já no terceiro dia em casa, ela dormia muito, o sono dos justos, nós colocávamos vários bichinhos de pelúcia na cama com ela e havia um quadro do Anjo da Guarda na parede acima da cama, era notório que ela se sentia segura em casa”.
Cyranette sabe que a convivência é o que gera os laços mais profundos de afinidade e afetividade. A identificação sempre é tão grande que ao vê-las pela primeira vez, sentimos que amaremos incondicionalmente.
“Acredito que para uma família dar certo é preciso que os pais e as mães sejam vocacionados à maternidade/paternidade, por isso as pessoas devem ser livres para esta escolha. Devemos combater veemente, através de campanhas, orientações e direcionamentos, as maternidades indesejadas/acidentais, pois é um risco à criança, cuja possibilidade de rejeição futura será certamente ocorrente”, declara.
Cyranette afirma que não há empecilhos para abstar a adoção, desde que esteja na forma legal, inclusive a adoção internacional, onde, apesar da dificuldade com a língua estrangeira nos casos de uma criança maior ou adolescente, a atenção e os cuidados necessários facilmente ajudam a superar.
Cyranette por Cyaranette
Um sonho: Lecionar
Maior felicidade: Minha família
Maior dificuldade: a adoção da minha segunda filha
Uma injustiça: retirar uma criança da família afetiva ou impedir a convivência por causa do cadastro nacional de adoção
Um milagre: o amor
Um orgulho: ser mãe
Uma decepção: uma criança devolvida ao Abrigo após uma convivência frustrada. (ainda bem que é muito raro)
É por este sentimento de doação, força, capacidade de superação, apoio e amor ao próximo e por dedicar mais de 20 anos de sua vida ao Judiciário amapaense e à população, que dedicamos nossa admiração e profunda REVERÊNCIA a você Cyranette Miranda Ribeiro Cardoso. Suas vitórias são nossas também, e tê-la no Judiciário do Amapá é uma honra.
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